Por John MacArthur
O erro do
pragmatismo é considerar as metodologias que "funcionam" como o mais
importante e mais viáveis do que as metodologias bíblicas. Um pragmático se
preocupa primeiramente em saber se determinada prática é vantajosa, não
necessariamente se ela está em harmonia com as Escrituras. Ele começa com a
pergunta: "O que querem os incrédulos?" E constrói suas estratégias a
partir daí, em vez de perguntar: "O que as Escrituras ensinam sobre o
ministério da igreja", e, partindo daí, seguir um padrão bíblico.
A tendência contemporânea do
pragmatismo ignora completamente as prioridades bíblicas para a igreja. As
reuniões da igreja não deveriam ser estruturadas para os incrédulos. De acordo
com a Escritura, a igreja se reúne para adoração, comunhão, edificação e encorajamento
mútuo, dentro do corpo (At. 20.7 ss; 1 Co. 16.1-2; Hb. 10.24-25). A pregação da
Palavra de Deus deve ser o ponto essencial em todo o culto e ministério
corporativo da igreja (1 Tm. 6.2; Tm. 4.2). A ênfase deve ser a comunhão com
Deus através da oração e da adoração, não o entretenimento ou qualquer
expressão de auto-satisfação (1 Co. 11.17-22). Em resumo, as atividades
esboçadas em Atos 2.42 são a única ocupação válida para a igreja: "A doutrina dos apóstolos, a comunhão, o
partir do pão e a oração".
Além do mais, o pragmatismo ataca
a suficiência da Palavra de Deus no evangelismo. Não precisamos
comercializar, disfarçar, atenuar ou tentar tornar o
evangelho aceitável aos incrédulos. O evangelho puro é
o poder de Deus para a salvação.
Onde quer que exista pragmatismo na igreja, há
sempre uma correspondente amenização na doutrina da suficiência de
Cristo, da soberania de Deus, da integridade das Escrituras, do poder da oração
e dos ministérios do Espírito. Isto resulta em um ministério centralizado no
homem, um ministério que procura realizar os propósitos divinos por meio de
programas superficiais e de metodologia humana, e não por meio da Palavra ou do
poder de Espírito.
O aliado do pragmatismo é o arminianismo, a
teologia que nega a soberania da eleição de Deus e afirma que o homem, por si
mesmo, tem de decidir se confiará em Cristo ou O rejeitará. Isso põe sobre o
evangelista a responsabilidade de usar técnicas que sejam
inteligentes e criativas o bastante para influenciar a decisão de uma
pessoa. Assim, o conteúdo da mensagem é subjugado à questão de como ela é
apresentada.
Não nego a importância da pregação e dos ensinos
poderosos e persuasivos. Paulo mesmo foi um brilhante pregador (por exemplo,
ver Atos 18,4; 19.26; 26.28-29; 28.23). Mas ensinar ou dar a entender que a
técnica humana pode trazer alguém a Cristo é contrário à Escritura (Jo.
6.6,37,44) e, com efeito, nega a soberania da graça de Deus. Sem Cristo e sem o
ministério do Espírito Santo, nada podemos realizar (Jo. 15.5; 2 Co. 10.4).
Aqueles que colocam o entretenimento no lugar de
uma clara proclamação da verdade estão em conflito com
os desígnios de Deus para a igreja. Embora creiam que os resultados
externos justificam seus métodos, eles estão causando males e não bem, não
importa a multidão que consigam atrair. Qualquer metodologia usada
simplesmente para atrair uma sociedade que se mostra indiferente é um pobre
substituto para o claro ensino das Escrituras. Alguns meses de pregação firme,
direta e sem bajulação sobre o arrependimento e santidade reduziriam o número
de ouvintes nas igrejas, mas revelariam os que estão genuinamente redimidos ou
sendo guiados pelo Espírito à redenção.
No
entanto, o pragmatismo está remodelando quase todas as áreas do ministério
evangélico. Onde a pregação ainda pode ser encontrada, tende a ser centralizada
no homem e dominada por uma mentalidade que procura reconciliar o homem com os
homens, e não o homem com Deus. Seu objetivo nem sempre é expresso, mas o seu
verdadeiro propósito é acalmar as pessoas que estão totalmente imersas em si
mesmas, em suas mágoas e em suas necessidades. Assim, o pragmatismo é
alimentado pela tendência da sociedade em ser egoísta, ao mesmo tempo em que
faz crescer esta tendência.
Há alguns
anos, Robert Schuller esboçou um manifesto de uma pragmatista:
Quando a igreja procura alcançar os incrédulos com uma
atitude teocêntrica está abrindo as portas para o fracasso na área de
missões. Os incrédulos, os que não creem num vital relacionamento com Deus, vão
desdenhar, rejeitar ou simplesmente ignora o teólogo, orador, pregador ou
missionário que se aproxima com uma Bíblia na mão, com teologia na cabeça e nos
lábios, esperando que uma pessoa irreligiosa deixará de lado suas dúvidas e
engolirá as afirmações teocêntricas como fato. Os incrédulos, penso eu, perceberão
quando estou demonstrando genuíno interesse por suas necessidades e me
preocupando honestamente com suas dores humanas.
Durante décadas, temos visto a igreja na Europa Ocidental e na América
declinar em poder, membresia e influência. Acredito que esse declínio é o
resultado de se colocar as afirmações teocêntricas acima do atendimento às
necessidades emocionais e espirituais mais profundas da
humanidade.
Este manifesto é uma clara
solicitação para que a igreja proclame uma mensagem centralizada no homem, não
em Deus. Schuller acredita que o grande defeito do cristianismo moderno é
"o fracasso em proclamar o evangelho de um modo que possa satisfazer a
necessidade mais profunda de cada pessoa, ou seja, o
anseio espiritual pela glória humana". Ele não podia estar mais
errado. O evangelho é sobre a glória de Deus, e não sobre a glória do homem.
Poucas vezes os objetivos
do pragmatismo são tão francamente expressos. É verdade que os pontos de vista
do pragmatismo são opostos à Palavra de Deus. No entanto, dentre os que
concordam verbalmente com a verdade da Escritura, muitos compraram a noção de
que de algum modo devemos adaptar a mensagem bíblica, para fazê-la se encaixar
às necessidades das pessoas.
As verdades mais básicas de nossa fé tornaram-se vítimas dessa teologia
egocêntrica. Muitos evangelistas modernos reduziram a mensagem do evangelho a
uma simples fórmula por meio da qual as pessoas podem viver uma vida feliz e
mais completa. O pecado agora é definido levando-se em conta o modo como ele
afeta o homem, e não como ele desonra a Deus. A salvação é sempre apresentada
como um meio para se receber o que Cristo oferece, sem se obedecer ao que Ele
ordena. A ênfase é mudada da glória de Deus para o benefício do homem. O
evangelho que ensina perseverança deu lugar a um tipo de hedonismo religioso. A
teologia contemporânea sugere que Jesus é o passaporte para se evitar
todos os pesares e experimentar todos os prazeres da vida.
Assim, o pragmatismo
sucumbiu à noção humanista de que o homem existe para sua própria satisfação. O
humanismo ensina que, para as pessoas serem feliz, elas devem ter todas as suas
necessidades e desejos satisfeitos. Para acomodar-se a esse conceito, o
pragmatismo forja uma mensagem evangélica que soa como uma garantia
de desejos realizados, em vez de uma chamada ao arrependimento, ao perdão e a
reconciliação com Deus. Muitos que se dizem cristãos abandonaram o evangelho
totalmente e, em vez de pregarem o evangelho, estão convidam as pessoas a
buscarem auto-estima, influência política, igualdade social, segurança,
prosperidade, saúde, riqueza, felicidade ou quaisquer outros tipos de
aspirações que alimentam o "ego". Raramente o evangelho é apresentado
com firmeza, e, por isso mesmo, os pecadores impenitentes poucas vezes o rejeitaram.
Walter Chantry abordou
corretamente o problema em seu livro O Evangelho de Hoje:
Autêntico ou Sintético?
Muitas das pregações
modernas estão anêmicas, pois aquilo que é essencial a respeito da natureza de
Deus está ausente delas. Os evangelistas centralizam sua mensagem no homem.
Eles dizem que o homem pecou e perdeu uma grande benção; e se deseja recuperar
esta perda imensa, ele deve agir desta ou daquela maneira. Mas o evangelho de
Cristo é bem diferente. Começa com Deus e Sua glória. Proclama aos homens que
estes ofenderam o Deus santo, que de maneira nenhuma deixará de punir os
pecados dos homens. Relembra os pecadores que a única esperança de salvação é
encontrada na graça e no poder deste mesmo Deus. O Evangelho de Cristo leva os
homens a suplicar o perdão dAquele que é Deus santo.
Existe uma grande diferença
entre estas duas mensagens. Uma delas busca estabelecer uma trilha que conduz o
homem ao céu, ignorando o Senhor da glória. A outra procura magnificar o Deus
de toda a graça na salvação de homens.
O evangelista que focaliza apenas a promessa de necessidades satisfeitas
é uma total corrupção da mensagem bíblica. Em sua acurada biografia do falecido
D. Martyn Lloyd-Jones, Iain Murray observou com exatidão:
Um evangelista precisa ter
cuidado para não apelar simplesmente aos interesses pessoais dos ouvintes e
assim induzi-li a tomar uma "decisão". Tal decisão não será para a
salvação, mas deixará a pessoa no seu estado de incredulidade. Quando o
evangelho é apresentado com ênfase em sua capacidade para satisfazer a carência
humana por felicidade e por outras bênçãos, deixando de mostrar que o incorreto
relacionamento do homem com Deus "é a pior situação", poderá obter
considerável sucesso, mas tal sucesso será temporário. Pensar na salvação como
uma obra objetiva primária não é o aproximar-nos de Deus, e, sim, o
conceder-nos bênçãos, não requer verdadeira convicção de pecado para ser
aceita. Martyn Lloyd-Jones não se surpreenderia ao ver que tal evangelismo
era realizado com frivolidade e leviandade e que, como resultado, acrescentava
às igrejas os não regenerados e os negligentes. O verdadeiro convertido sempre
quer libertação tanto do poder como da culpa do pecado.
O costume de apresentar o
evangelho como um instrumento para satisfazer as "necessidades" das
pessoas tem corrompido o verdadeiro evangelho e distorcido a doutrina da
santificação. Muitos cristãos acham que não podem se úteis para o Senhor até
que alcancem realização pessoal e todos os seus problemas sejam resolvidos.
Eles vêem a santificação como o processo pela qual isso ocorre. Em seu livro Need: The New Religion (Necessidade: A Nova Religião), Tony Walter comenta:
Tornou-se moda seguir o
ponto de vista de alguns psicólogos, os quais afirmam que o eu é um feixe de
necessidades e que o crescimento pessoal se realiza quando satisfazemos
progressivamente estas necessidades. Muitos cristãos seguem tais
crenças... Uma evidencia do quase total sucesso desta nova moralidade é que a
igreja cristã, tradicionalmente dedicada a mortificar os desejos da carne e a
crucificar as necessidades do eu, em busca da semelhança de Cristo,
ansiosamente adotou para si a linguagem as "necessidades". Agora se
ouve que Jesus vai atender a cada uma de suas necessidades, como se Ele fosse
uma espécie de psiquiatra ou detergente divino, cujo propósito fosse
simplesmente o de nos servir.
Não é difícil achar evidências desse tipo de pensamento na
igreja. Alguns
ministérios contemporâneos admitem categoricamente que
atender às necessidades das pessoas é seu objetivo principal.
Mas isso é inteiramente oposto ao ensino das Escrituras. O objetivo da
santificação é o conformar-se à imagem de Cristo (Rm. 8.29), não a
auto-satisfação. A verdadeira santificação não é uma questão de avaliar a si
mesmo e satisfazer as necessidades percebidas. É uma questão de conhecer a
Cristo profundamente. Quanto mais você contempla a si mesmo, mais distraído
quanto ao caminho apropriado para a santificação. Quanto mais você
conhece a Cristo e tem comunhão com Ele, mais o Espírito o tornará semelhante a
Ele. Quanto mais você é semelhante a Cristo, melhor entenderá a absoluta
suficiência dEle para todas as dificuldades da vida. Esse é o único caminho
para se conhecer a verdadeira satisfação.
O pragmatismo também tem produzido apatia quanto à oração. Isso acontece porque
o principal motivador da oração é um senso de dependência de Deus (por exemplo,
ver Tiago 4.4-15). O pragmatismo, contudo, gera um falso senso
de independência e auto-suficiência. É difícil forçar a si mesmo a
orar, se você e acha que tem uma solução humana para cada problema e
um recurso natural para cada necessidade. Os problemas surgem em nossa
sociedade porque a maioria de nós tem mais bens materiais do que necessita e
desenvolve meios para lidar com quaisquer outras necessidades que possam
surgir. Há programas "cristãos" para pessoas que querem melhorar sua
aparência, sua forma física, sua auto-estima, seus investimentos ou qualquer
outra coisa que possa estar em deficiência. Cristãos que querem possuir tudo,
aqui e agora, podem, com avidez, buscar a boa vida e se sentirem bem com isso.
Assim, muitos cristãos contemporâneos estão absortos numa busca
desesperada por satisfação instantânea, obcecados pelo conforto terreno e
agrilhoados a este mundo presente. Eu me lembro de uma época em que a esperança
futura era enfatizada, e as pessoas queriam ouvir mensagens sobre o céu,
profecias ou escatologia. Esses tópicos não são populares hoje, pois nossa
mente esta posta no presente e não no futuro. Os crentes de Tessalônica desejavam
o retorno de Cristo e as glórias do céu (1Ts. 1.9-10); muitos de nós, porém,
ao contrário deles, nos acomodamos confortavelmente a esta vida. Quando morre
um crente, alguns cristãos entram em desespero e depressão, como se a pessoa
tivesse ido para um lugar pior ou como se Deus tivesse tomado de nós alguém que
tanto necessitávamos em nossa companhia. Devemos antes de nos alegrar na
certeza de que nossa amado está na presença do Senhor,
momentaneamente separado de nós, mas destinado a um feliz encontro na glória
eterna.
As futuras glórias
celestiais foram ofuscadas pelo frágil e momentâneo brilho das coisas terrenas.
Muitos cristãos se afundaram no conforto da saúde, da riqueza e da
prosperidade, das quais apenas a morte o arrebatamento da igreja ousariam removê-los;
e mesmo estes seriam intrusos mal recebidos por alguns. Poucas pessoas anseiam
o céu.
Talvez o erro fatal do pragmatismo é que ele deixa de considerar
corretamente a depravação humana. O homem é uma criatura caída; sua depravação
é tão profunda e penetrante que ele nada pode fazer por si mesmo quanto às
coisas espirituais (Rm. 3.10-11). Portanto, o uso de meios humanos
para realizar objetivos espirituais inevitavelmente fracassará. Esta é
precisamente a razão pela qual Deus exige que os cristãos se submetam ao seu
governo soberano, aprenderam os princípios da vida espiritual revelados na
Palavra e se apropriem dos abundantes recursos espirituais que Ele
torna disponíveis em Cristo (Cl. 1.9-15). Esses recursos, totalmente
à parte da engenhosidade humana, são suficientes para cumprir os
propósitos pretendidos por Deus.